Liga nois entrevista com economista ano passado no Jornal O Estado de São Paulo. Rimando sobre estatísticas da exclusão, ação afirmativa, cotas, privilégios e desigualdades de milianos, teve o dom. Vai vendo:
Corrida de obstáculos, só para negros
Domingo, 20 de Novembro de 2005, por Ivan Carvalho Finotti
Ao contrário do que aconteceu com os imigrantes europeus, a raça negra não é considerada parte efetiva da formação da sociedade brasileira
Um novo consenso nacional a respeito do negro no Brasil. Essa é a única saída para a desigualdade racial que assola o País há séculos, acredita o economista carioca Marcelo Paixão. Um consenso que envolva mudança dos papéis tradicionais e admita a contribuição efetiva da raça negra na formação da sociedade brasileira.
Órfão, Marcelo Paixão estudou até a 7ª série em escola pública. Terminou sua educação em escola particular paga por sua tia, funcionária pública que o criou. Formou-se em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hoje, aos 39 anos, doutor em Sociologia e professor do Instituto de Economia da mesma UFRJ, Paixão é um defensor do sistema de cotas e, apesar de trabalhar o tempo todo com números absolutos, gosta mesmo é de interpretá-los: "Um pobre numa sociedade não tão desigual sente menos a pobreza do que uma pessoa com mais recursos numa sociedade de pronunciada desigualdade".
O economista, também coordenador da ONG Observatório AfroBrasileiro, foi um dos autores do Relatório do Desenvolvimento Humano no Brasil, da ONU, divulgado na sexta-feira. A publicação, intitulada Racismo, Pobreza e Violência, aborda as razões dessa desigualdade e sugere caminhos, como a mudança das políticas públicas.
Seu trabalho como economista é festejado por todas as organizações afro-brasileiras do País. Ao desagregar por cor e raça os três dados que medem o Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH (escolaridade, renda per capita e expectativa de vida), Marcelo Paixão ajudou a abrir um novo campo de estudos. Em sua tese de doutorado, concluiu que, se a população branca do Brasil formasse um país à parte, ela estaria em 44º no ranking mundial do IDH, enquanto a população negra ficaria em 105º. Atualmente o Brasil está em 63º lugar, mas é sobre o fosso de 61 posições que separam o 44 do 105 que Paixão falou ao Aliás nesta entrevista publicada hoje (20/11/2005), no Dia da Consciência Negra.
Quais as novidades do Relatório de Desenvolvimento Humano 2005, divulgado na sexta-feira?
O tema mais importante é um convite para uma mudança do perfil das políticas públicas para a área social do Brasil. O discurso dessas políticas sempre foi generalista, ou seja, voltado para todos. Se fosse voltado para todos, não deveria haver discriminação ou desigualdade no saneamento, distribuição de água, energia elétrica, localização de hospitais etc. O discurso é nobre, mas não funciona. É preciso ver como alguns grupos da sociedade se apropriam dos recursos públicos. Quando analisamos as desigualdades raciais no acesso a escola, saúde, coleta de lixo, esgoto, vemos que um grupo se beneficia mais que outro. A política pública, assim, aprofunda o problema.
E como combater isso?
Reorientar os investimentos para áreas mais pobres de modo que os serviços públicos possam ser equalizados. Sob o ponto de vista dos indicadores sociais, a população negra vai ter um benefício, porque está concentrada nessas áreas. Há outras formas, mais qualitativas.
Quais são elas?
Sabemos que as desigualdades sociais na educação são muitas vezes produzidas por conta de condições desiguais para acessar o ensino. Crianças pobres saem da escola mais cedo que as ricas. Por outro lado, também sabemos que muitas vezes o que afasta as crianças pobres não é só o fator econômico. É também o desalento, o fato de que o ambiente em sala de aula é pouco propício para que os alunos sejam diversos em origens ou em formas físicas. Constrói-se um padrão estereotipado que tem efeitos difíceis de ser quantificados, mas são cruéis. Enfim, as políticas de promoção da igualdade racial estão ligadas às políticas de combate à pobreza. Podem ser instrumentos importantes para a reversão de um cenário de desigualdade que, a rigor, se perpetua secularmente. E esse secularmente jamais pode ser considerado um tema menor. Temos de nos lembrar que esse país tem uma população descendente de escravos desassistida há gerações.
Há quatro anos, a renda familiar do branco era de 2,64 salários mínimos e a do negro, de 1,15. Isso mudou?
Em termos de valor absoluto, as rendas aumentaram, acompanhando a inflação. Mas vou ser um pouco subjetivo, sem me ater aos números. O que importa é que a desigualdade relativa se manteve. E as diferenças relativas é que importam.
Por quê?
Falo brincando na sala de aula que não ter sapato em 1900 é diferente de não ter sapato em 2005. O sentimento de privação relativa é tão importante quanto as realidades da privação absoluta. Uma pessoa pode ser pobre, mas, se vive numa sociedade não tão desigual, essa pobreza pode ser pouco sentida. Já alguém com mais recursos, mas numa sociedade de pronunciada desigualdade, vai se sentir pobre. Essa pessoa pode não ter a pobreza absoluta, mas tem a relativa. Na Rocinha ou em outras favelas do Rio de Janeiro, as casas têm TV, rádio, geladeira. No entanto, por que as pessoas vivem em situação muito precária, muito vulnerável? É também por conta do sentimento de privação relativa. Elas não têm acesso a um conjunto de bens e a um conjunto de direitos sociais que uma parcela significativa da população tem.
O senhor acredita que um dia o negro brasileiro terá índices socioeconômicos semelhantes aos do branco?
A questão racial vai além de ser um problema do negro. Na sociedade brasileira, temos de pensar que os negros estão inseridos em uma coletividade e os indicadores sociais são produzidos a partir da relação de um grupo com os outros. Então, quando falamos "o problema do negro", prefiro dizer "o problema das relações raciais no Brasil".
Quem ensinou isso de uma forma cabal foi o movimento feminista, que conseguiu elevar o debate das relações entre sexo para um debate sobre gêneros. Isso remete às posições e papéis sociais que um grupo forja em relação ao outro, as expectativas, as barreiras que vão sendo criadas por um grupo em relação ao outro. Então, não existe no Brasil um problema do negro, mas das relações raciais.
Minha pergunta, então, foi preconceituosa?
Não chegaria a tanto. É uma pergunta que é feita a mim o tempo todo. Ela corresponde a um senso comum desse debate.
Sim, mesmo porque o trabalho do senhor, ao separar os dados das populações brancas e negras, remete à idéia de igualar esses índices.
Sim, mas essa parte da pergunta, a de igualar as condições, está correta. O erro está em imaginar "o negro irá conseguir?" Não é questão de conseguir. Será necessário um novo consenso nacional sobre isso.
Como assim?
Pense no que foi o processo de integração dos imigrantes no Brasil. Eles tinham problemas de sobrevivência nos países de origem para vir trabalhar em cafezais ou fábricas, porque ninguém emigra porque quer. Agora, os italianos, japoneses e alemães estão perfeitamente integrados na sociedade brasileira. Chegaram aqui analfabetos, muitos sem qualificação, mas o que foi acontecendo? Um processo de convencimento no interior da sociedade brasileira – principalmente por parte das elites e dirigentes, que pensam estrategicamente –, que aquele contingente, independentemente de ter um nível de qualificação profissional tão reduzido, tinha contribuições efetivas a dar na formação da sociedade brasileira. E aí foram aceitos nas fábricas, posteriormente aceitos como gerentes e posteriormente ainda como donos das empresas.
E os negros?
Platão, em A República, dizia que as mulheres tinham de ser plenamente aproveitadas porque uma república que não utilizasse a potencialidade das mulheres seria como uma pessoa com apenas uma perna. É o que digo em relação aos negros. Mudar as relações entre os grupos raciais muda a maneira de os grupos se inserirem no todo social. Feito isso, a tendência é de os indicadores se igualarem.
As ações afirmativas, como a política de diversidade que algumas empresas adotam e a política de cotas nas universidades, já são entendidas pela população brasileira?
Vamos dividir essa pergunta. O primeiro tópico é que a política de ação afirmativa implica tratar os desiguais desigualmente para corrigir as desigualdades existentes. Vou dar exemplos: o imposto de renda progressivo, que significa que quem ganha mais paga maior imposto. As legislações que beneficiam as pequenas e médias empresas.
Filas para portadores de deficiências nos bancos. Como se vê, a ação afirmativa é um princípio já conhecido de todos os brasileiros e de todo o mundo moderno. O que talvez seja menos conhecido sejam ações afirmativas voltadas para grupos da população como mulheres ou negros.
No primeiro caso, temos por exemplo a lei eleitoral que reserva 30% das vagas de candidaturas nos partidos políticos para mulheres. Em relação à questão racial é que reside o problema.
Por quê?
Porque, quando envolve a questão racial, a ação afirmativa significa mudança de papéis sociais tradicionais que muitas vezes se encontram normatizados. Sobre as cotas: as pessoas não se acostumaram a ver negros nas profissões de médico, engenheiro, professor universitário e outras posições de maior prestígio social, e por isso passaram a acreditar que isso é o normal da vida. E não é. Então uma proposta dessas acaba encontrando resistência. Também acho que é uma medida impactante porque é não-voluntária. As universidades foram obrigadas a abrir as portas para um público que estava tradicionalmente excluído e, aliás, se a medida não fosse adotada, continuaria excluído para todo o sempre.
E há meios menos impositivos?
As empresas em geral fazem uma política voluntária. Eu acredito que, neste momento, teremos uma proliferação de medidas, de propostas de superação do quadro das desigualdades raciais. Algumas medidas serão mais impositivas, como é o caso das cotas, outras serão voluntárias, como é o caso de diversas empresas. Elas vêm operando políticas ativas de diversidade porque consideram que isso tem um caráter ético muito importante, porque estão cada vez mais abertas ao tema da responsabilidade empresarial, porque isso pode trazer uma imagem positiva e também porque percebem que pode ser mais lucrativo diversificar seu corpo de funcionários.
O senhor dá aulas para algum aluno cotista?
Infelizmente não. Na UFRJ não existe a política de cotas. Percebo até que há uma resistência muito grande por parte do corpo docente. Mas meu papel, além de ser um pesquisador e um professor, é procurar convencer as pessoas, sempre tentando colocar a racionalidade da proposta. As cotas não visam destruir a universidade, reduzir sua qualidade ou dizer que o princípio do mérito é desprezível. Nada disso. Só não acho que meritocracia e diversidade sejam excludentes.
Até que ponto a política de cotas será eficiente num sistema que é injusto desde o início? Por que não brigar por um sistema de qualidade que venha do ensino fundamental?
Acho que a política de cotas deve ser complementada com políticas de melhora de ensino público. Em relação às cotas, não existe a intenção de pôr na universidade pessoas despreparadas. Existem notas de corte.
Eu próprio não corrijo prova de aluno de forma mais leniente por conta de condições econômicas. Esse princípio tem de estar consagrado. Mas, quando analisamos os que foram classificados pelo vestibular, encontro em geral uma camada de ótimos alunos que vieram das redes privadas ou dos públicos federais. Existe, depois, o nível intermediário, no qual as notas entre aquele que se classificou e o que não se classificou são muito parecidas. Muitas vezes há o ingresso de um aluno que veio das escolas privadas, que teve oportunidade de fazer cursinho e aula de inglês e tirou 6,5. E um aluno de escola pública, pobre ou negro, que enfrentou preconceito, racismo, pobreza e talvez tenha de ter trabalhado enquanto estudava, tirou 6,3. Ele não entra porque a nota de corte é 6,4. Do ponto de vista do princípio da justiça, eu
pergunto: o critério está certo? Acho que não. Ao contrário. Um aluno negro e pobre que consegue enfrentar tantos desafios na vida e ser classificado numa prova de vestibular da UFRJ, da USP ou da Unicamp, um aluno desses tem de ser aproveitado. Se não for, nós o estamos condenando ao desalento. Estamos transformando pessoas que poderiam ser bons médicos, bons engenheiros, bons economistas, em profissionais com posições inferiores na sociedade.
Mas é possível traçar essa linha de forma justa?
É uma operação matemática complexa, mas hoje essa linha é traçada. Quem tirou 6,5 entra.Quem tirou 6,3 não. Pouco importa se o primeiro é um rico medíocre e o segundo é um pobre brilhante. Isso é complexo? É. Mas uma pessoa que nasce na favela e consegue, após 11 anos de estudos, prestar um vestibular é um herói nacional sem reconhecimento.
E depois de tudo isso, por causa de um ou dois décimos de nota, damos adeus para ele? Não é assim que esse país deve funcionar.
O que o senhor acha da lei que deve tornar obrigatório o estudo de História Afro-Brasileira no ensino fundamental e médio?
É importante porque diz respeito à maneira como a população brasileira vai tomar conhecimento da própria história. Nosso maior valor é a diversidade. Todo mundo sabe disso. Todo mundo sabe que a seleção brasileira não poderia ser feita só por negros ou só por brancos. E, se essa diversidade é um valor, ele deve estar expressado nos cursos escolares.
Demorou.
-> Arquivo: 4.10.2005 : Cotas para afrodescendentes nas empresas e corporações
-> Arquivo: 24.8.2005 : Arnaldo Jabour x MV Bill no Flip 2005
-> Arquivo: 14.7.2005 : Reparações aos descendentes daqueles que sofreram com a escravatura, sequestro e trabalhos forçados
-> Arquivo: 11.4.2005 : Uma história não contada
-> Taba : Discursando : Nas Listas : Radinho : Re: Reconhecimento de diferenças rompe desigualdade nas escolas
-> Coletando : Mercado Livre : Busca : Tim Maia e Candomble
-> Coletando : Livraria Cultura: Livro - Uma história não contada. Negro, racismo e branqueamento em São Paulo.
-> Compartilhando Banners : CDs Nada como um dia após o outro dia e Antigamente quilombos, hoje periferia.
5 comentários:
Essa é uma questão muito delicada, né Tupi. Como já conheço a sua opinião (que foi debatida lá no radinho há um tempo atrás), vou tentar expôr a minha opinião bem rapidamente.
Eu acredito que esse esquema de cotas é uma coisa boa no longuíssimo prazo pelo seguinte: eu acredito em bons exemplos. Eu acredito em bons exemplos porque tenho certeza que muita gente acaba se inspirando nestes bons exemplos para tentar fazer igual ou melhor. Um bom exemplo mostra aos outros que algo, antes impossível, pode acontecer. Eu, por exemplo, não consigo ficar parado nos bons exemplos que meu pai me deu; eu tenho que fazer mais do que ele. E, desta forma, acabo me inspirando em outras pessoas que admiro, como Bill Gates, Steve Harris do Iron Maiden, Marcos Pontes e muitos outros.
Te digo uma coisa: se eu fosse o beneficiário deste sistema de cotas eu me recusaria a aceitá-lo. Me recusaria porque eu acredito em outra coisa, que acho importante: eu acredito em dificuldade e em desafios. Quando eu tivesse superado os desafios, me esforçaria para demonstrar esse meu exemplo para as pessoas que estivessem dispostas a ouvir. Da mesma forma que a Oprah Winfrey faz nos States.
É inegável as barbaridades que a raça negra sofreu durante muito tempo (e ainda sofre). Viajar o Atlântico acorrentado e chegar a um país como escravo é algo que jamais deveria ter acontecido. Mas se ficarmos andando olhando no retrovisor, coisas como essa ainda vão estar no nosso meio por muito tempo: A Devoted Muslim Girl.
Passando para um salve!
O 4º. turno me espera rsrs.
Bjsss
Ah, e sou contra as cotas ;)
Falai' Jonatas, to ligado q a fita e' complicada, mas melhor trocar uma ideia e debater as alternativas do q ficar fugindo do assunto ou fingir q ta' tudo na paz.
Valeu! E' nois!
So' us favelado, so' us maloquero, us guerreiro, us guerreiro.
A revolucao nao sera' televisionada!
Falai' Cris, quarto turno!!! Vixi, nao dorme mais nao?
Como naquela rima dos Racionais:
1 por amor, 2 pelo dinheiro, vidaloka Capao, de fé sou guerreiro :-)
Entao, nao uso msn nem skype... se pam pode mandar por email em tupidataba arroba gmail ponto com. Fmz?
Vamos endolar a entrevista, se virar, virou!
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