Apesar da TV Globo não falar nada, ficar na miuda, não admitir nem ter a moral de assumir, meio que tá na cara que a personagem Monalisa da nova novela Avenida Brasil é inspirado na história de sucesso da Dona Zica cabeleireira, afrodescendente, ex-empregada doméstica, que inventou o processo de relaxamento de cabelos rebeldes que deu origem a rede de salões Beleza Natural.
Vai vendo a historinha que a emissora e a atriz divulgaram no site da novela: Inspirada na própria história, Heloísa Périssé vai viver uma 'paraibana arretada'. A rima bate de frente se pam pra confundir a mente da banca que conhece a história de exemplo e empreendorismo da Dona Zica, tipo, tirando o corpo fora quase empurrando os nordestinos pra trombar com os afrodescendentes. Mas o resumo publicado revela a milhão:
Trabalhadora, Monalisa vai ser uma cabeleireira boa-praça. Fã de roupas justas e coloridas, a paraibana arretada cria uma fórmula de sucesso para alisar o cabelo das clientes.Na entrevista com a atriz conversinha continua, passando longe de cabelo pixainho e cacheado.
Heloisa Perisse: “A Monalisa é uma mulher muito amorosa, com uma alma nordestina guerreira, de quem vem em um pau de arara disposta a vencer e não mede esforços para isso. Me identifico muito com ela, porque também vim do Nordeste, sou de Salvador. Também vim com um sonho, um objetivo e fui ultrapassando as dificuldades e subindo os degraus. Acho que a personagem vai ser muito acolhida, porque as pessoas gostam de quem passa uma história de esperança. No inconsciente coletivo, gera aquela certeza, de que se ela conseguiu, eu também posso conseguir (...) Eu e a Fabíola (a atriz Fabíola Nascimento) fizemos um curso de cabeleireiro. Aprendemos os truques da profissão. Os cabeleireiros fazem tudo ao mesmo tempo. Sou muito cara de pau, vou fazendo como se já tivesse feito a vida inteira. Está sendo ótimo, já estou fazendo até escova em mim mesma”Será que a Dona Zica cabeleireira tá ligada no caô? Mas tá valendo, no final a divulgação e merchandising grátis do tratamento de relaxamento de cabelos cacheados para o salão Beleza Natural e seus cosméticos em horário nobre na Globo pode ser comparado a milhões de reais em publicidade. De repente foi por isso, pra não parecer propaganda grátis da Globo pra uma empreendedora brasileira afrodescendente e uma empresa que provoca competição em um mercado dominado por multinacionais e empresas estrangeiras.
Liga que o autor da novela Avenida Brasil, João Emanuel Carneiro, foi quem escreveu a novela Da Cor do Pecado, segundo o estudo A cor do preconceiro : o negro na teledramaturgia brasileira de Alex Santana França publicado na Revista Africa e Africanidades nº11 em novembro de 2010, vai vendo copy paste de trechos da rima toda:
(...) o nome da novela Da Cor do Pecado (que foi ao ar em 2004) é título de uma música composta por Bororó na década de 1930 e interpretada já por vários nomes da MPB, no caso da novela, quem interpreta a canção é Luciana Melo. Nessa composição se pode localizar claramente a manifestação de preconceito em frases como (...) é um corpo delgado da cor do pecado e [...] a vergonha se esconde porque se revela a maldade da raça [...].Sentiu o drama? Vai vendo o documentário A Negação do Brasil - O Negro nas Telenovelas Brasileiras baseado no livro de Joel Zito Araújo.
Depois o autor ainda escreveu a novela Cobras e Lagartos, de 2006. Nela, destaque para dois personagens, Ellen (vendedora da loja Luxus que pensa apenas em subir na vida) e Foguinho (um malandro que leva a vida à base de mentiras), interpretados respectivamente por Taís Araújo e Lázaro Ramos, que de verdadeiros anti-heróis tornaram-se protagonistas, caindo no gosto do público e ofuscando personagens como Duda e Bel (o par romântico principal da novela) e Estevão e Leona (o casal de vilões antagonistas).
Em 2008, a novela A Favorita, a terceira de autoria de João Emanuel Carneiro, causou polêmica quando foi anunciado que, não só haveria uma família de negros rica, como essa família seria rica porque o pai é um deputado corrupto. Antes disso, o negro já foi representado como bom caráter e como mau caráter, mas é raro ver uma novela com negros protagonistas (outra família negra que chamou muita atenção na época foi a da novela A Próxima Vítima, de 1994). Mais uma vez, João Emanuel Carneiro repete a fórmula de que o negro só consegue ascender socialmente quando é desonesto, reforçando ainda mais os estereótipos que rotulam os negros.
Antigamente quilombos, hoje periferia. 500 anos de extermínio.
-> Arquivo: 12.1.2012 : Salão da Dona Zica cabeleireira Beleza Natural no Facebook
-> Arquivo: 4.1.2012 : É Globo mas é brazuca
-> Arquivo: 25.10.2011 : A febre das filhas da Janete no YouTube
-> Arquivo: 6.10.2011 : TV mostra escravos nordestinos explorados pelo Governo de São Paulo para construir escolas
-> Arquivo: 1.8.2011 : Thaide entrevista Mano Brown na TV
-> Arquivo: 1.8.2011 : Re The revolution will be webified
-> Arquivo: 18.7.2011 : Sites de TV a cabo pela internet com pay per view de futebol e BBB
-> Arquivo: 23.8.2006 : Indenização por crime de racismo: Justiça condena supermercado a pagar R$ 60 mil
-> Arquivo: 23.8.2006 : Relatório da ONU sobre racismo no Brasil
-> Arquivo: 8.6.2006 : Beleza Natural, a ex-empregada doméstica que virou empresária
-> Arquivo : 8.11.2005 : TV da Gente, Racionais e Netinho representando
-> Arquivo: 14.7.2005 : Reparações aos descendentes daqueles que sofreram com a escravatura, sequestro e trabalhos forçados
-> Arquivo: 26.4.2005 : MV Bill no Roda Viva da TV Cultura
-> Coletando : Livraria Cultura: A negação do Brasil. O negro na telenovela brasileira. e Uma história não contada. Negro, racismo e branqueamento em São Paulo.
-> Coletando : Mercado Livre : Busca : TV, Cabelos e Novela
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